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Graus de Liberdade

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Autora: Íris M. Okomura

A necessidade humana pela busca de estabilidade é abalada pela agilidade de informações recebidas e comentários decorrentes, muitas vezes, baseados na ciência pessoal. Há excesso de convicções e escassez de evidências, levando à propagação de fontes não confiáveis e que geram conflito com dados fidedignos.

Passa a valer aquilo que conforta à maioria. Rechaça-se a minoria a fim de proteger o grupo, ora vista como equivocada, ora percebida como ameaçadora. Contudo, não se trata apenas de notícias polêmicas e de abrangência mundial como o cenário político, atualizações sobre a pandemia, etc. Deparamo-nos a todo o tempo com divergências, a começar pela constatação da existência Eu-Outro.

O título deste texto, “Graus de Liberdade”, traz também a analogia ao termo empregado nas ciências exatas e diz respeito à (in)dependência dos termos analisados. Quanto menor o grau de liberdade, menor as diferenças encontradas. Quanto menos liberdade, mais restritiva a métrica imposta. A problemática subjetiva é que aplicamos a nossa métrica na expectativa que caiba ao outro, por vezes, sem antes mesmo avaliar se ela nos cabe.

Tolimos o individual em prol do coletivo e expressamos o que convém na tentativa de revelar a “verdade” a quem ainda não a enxergou.

“[…] o sujeito cuida de si mesmo, mas não para si mesmo; sacrifica sua autonomia e liberdade, ou seja, abre mão de sua identidade subjetiva em troca da sobrevivência no interior de um sistema que se torna a razão última de tudo, inclusive, do próprio ser humano”. (GOERGEN, 2019).

14 de julho é o Dia da Liberdade de Pensamento, marco do início da Revolução Francesa e que toma como referência a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Dentre os artigos que compõem a Declaração, ressalta-se:

“Art. 4.º – A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites só podem ser determinados pela lei.”

Quanto conseguimos respeitar a opinião alheia? Qual o meu grau de tolerância diante do que é diferente ao meu olhar? Até onde devo intervir? Até onde posso influir sobre a decisão do outro? Quanto permitimos / restringimos a liberdade do outro? A recíproca desses questionamentos é igualmente válida quando nos sentimos confrontados.

Sensatez não implica em compatibilidade de opiniões, mas significa coerência nos argumentos apresentados. A liberdade de expressão é barrada também por questões culturais e crenças sociais enraizadas há tanto tempo que, por vezes, não se sabe de onde vieram e o porquê serve de embasamento comparativo a tudo que vêm como novidade. Recaem na função do mito, na herança do “sempre foi assim”. Surgem os assuntos polêmicos, questões entendidas como disruptivas. Até que se perceba que o certo do outro não necessariamente é o mesmo para o sujeito, ele se questiona, põe-se em contradições, sofre.

“A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo”. Talvez esta seja a causa da inquietação humana. Ao passo que aprendemos com o meio e dele passamos a depender para mediar nossas atividades, relacionamentos e próprio modo de existir; encontramos dificuldade em descolar de crenças estagnantes, de certas zonas de (des)conforto. E como conciliar as diferenças entre Eu-Outro?

Anterior à necessidade pessoal de falar, cabe o exercício de saber ouvir. Uma técnica denominada de escuta profunda (deep listening) difere da escuta comum por se colocar à frente o esforço de querer, de fato, entender outro ponto de vista. Há manifestação de interesse, engajamento e estabelecimento de um vínculo de confiança entre os pares, assim, a pessoa se dispõe a ouvir com o mínimo de pré-conceitos possíveis, e o outro se expressa de forma ser compreendido.

Segue algumas dicas de como ser bom ouvinte e realizar uma escuta profunda:

  • Peça para a pessoa explicar a perspectiva dela e porque a defende. Ouça, sem interromper, colocando seus julgamentos, contra-argumentos e soluções de lado;
  • Resuma o que acabou de ouvir e cheque se entendeu corretamente – não significa que precisa concordar;
  • Continue com esse processo até que a pessoa concorde com o que você conseguiu entender. Nesse ponto, ela provavelmente estará disposta a escutar o seu ponto de vista.

Referências

Embaixada da França no Brasil. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Postado em 13/01/2017. Disponível em: <https://br.ambafrance.org/A-Declaracao-dos-Direitos-do-Homem-e-do-Cidadao>.

GOERGEN, P. L. Cultura e formação: a ideia de formação humana na sociedade contemporânea. Pro-Posições, v. 30. 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1980-6248-2017-0193>. KASRIEL, E. Deep listening: Finding common ground with opponents. Postado em 04/03/2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/health

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