Autora: Iris M. Okumura
A Fundação de Amparo à Pesquisa em Enfermidades Renais e Metabólicas (Fundação Pró-Renal) foi fundada pelo nefrologista Dr. Miguel Carlos Riella em 1984. É uma Organização da Sociedade Civil que atua há 40 anos em prol do ensino, pesquisa e assistência ao paciente diagnosticado com doença renal.
As intervenções psicológicas da Fundação iniciaram por meio de voluntariado em 1985 e atuou predominantemente nas modalidades de terapia renal substitutiva, sendo quatro clínicas de hemodiálise e duas de diálise peritoneal. Após mudanças na gestão a partir de 2021, a equipe multiprofissional tem se dedicado ao atendimento clínico ambulatorial às pessoas em modalidade conservadora (estado pré-dialítico).
A estruturação do Serviço de Psicologia ocorreu no ano 2000, coincidente às normatizações da Psicologia Hospitalar no Brasil (CFP, 2019). Nessa trajetória, contou com a colaboração de 23 psicólogas(os) e algumas dezenas de estagiários, em parceria supervisionada com docentes do curso de Psicologia de diferentes universidades. O Setor já foi composto por até seis profissionais concomitantemente para lidar com a demanda de cerca de mil pacientes nas seis unidades de tratamento supracitadas.
Em comemoração aos 40 anos da Fundação Pró-Renal, os profissionais que já compuseram o Setor foram contatados e 4 psicólogas foram entrevistadas para compartilhar sobre as funções exercidas na época, aprendizados e desafios profissionais na intersecção Psicologia e Nefrologia. Os principais desafios elencados pelas psicólogas foram: a estruturação de um serviço junto à regulamentação e descrição das atividades que competem à Psicologia Hospitalar e da Saúde; a atuação no Terceiro Setor e a obtenção de recursos humanos e materiais para o desenvolvimento da prática; a “cronificação” do paciente renal e compreensão das orientações.
A regulamentação da Psicologia Hospitalar e da Saúde são recentes no Brasil e os parâmetros psicológico-assistenciais na saúde pública e privada foram estabelecidos somente em 2022. Considerando a implantação do Setor de Psicologia em 2000, uma das psicólogas entrevistadas mencionou a vivência desse pioneirismo, em busca por referências externas (autores e profissionais de outros estados e países) para caracterizar os objetivos, a função, deveres e limitações do fazer psicológico na saúde.
Outro desafio comentado foi a atuação no Terceiro Setor, contexto caracterizado pela Fundação Pro-Renal enquanto Organização da Sociedade Civil – entidades sem fins lucrativos que visam transformar a comunidade e promover “direitos sociais, conscientização socioambiental e combate à exclusão social, sobretudo no atendimento às pessoas em situação de vulnerabilidade” (Brasil, 2024). A Fundação Pró-Renal mantém seus recursos com o apoio de pessoas físicas e jurídicas, cujas doações retornam em benefícios assistenciais ao paciente renal crônico. O trabalho nesse meio exige, além da expertise profissional, pró-atividade, identificação com a causa institucional e altruísmo:
Eu costumo dizer que na FPR eu tive a oportunidade (que não sei se em algum momento terei a mesma oportunidade disso na minha vida profissional) de trabalhar não só com [o] que eu gostava e fazendo o que eu gostava… eu trabalhava com quem eu admirava (e me inspirava) e fazia o que eu acreditava. Isso, definitivamente, não tem preço.
As psicólogas lembraram também sobre a importância de ajudar a situar o paciente, sua compreensão sobre a própria condição médico-clínica, o diagnóstico e manejo do tratamento da DRC. A comunicação entre profissionais de saúde, o paciente e a família deve ser acessível, coerente e entendível para ambos; para que o paciente e a família possam captar as informações e para que o profissional tenha segurança de que o conteúdo repassado foi apreendido.
Todas as psicólogas demonstraram satisfação com o trabalho exercido na instituição que oportunizou a vivência do adoecer na perspectiva do paciente, o impacto da DRC nos hábitos e estilo de vida do indivíduo, percebendo a complementaridade e indissociabilidade do aprendizado e crescimento na vida pessoal e profissional. O contato com as pessoas e a habilidade de escutar o que o outro tem a dizer permite conhecer sua condição e como chegou até ali, tendo que encarar uma rotina centrada na saúde.
Enalteceram o aprimoramento profissional e incentivo à educação continuada, com apoio de chefias e confiança depositada para conciliar os deveres nas clínicas com o tempo de estudo. Nesse ínterim, contabilizam vários relatórios de estágio e trabalhos de conclusão de curso, bem como produtos de pesquisa stricto sensu:
- Oliveira, E. P. (2012). Fatores que influenciam a decisão de médicos, equipe de enfermagem e pacientes renais pela modalidade de tratamento dialítico. Dissertação. Mestrado em Ciências da Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
- Amatneeks, T. M. (2018). Estudo Psicométrico e Correlacional do Montreal Cognitive Assessment Basic (MOCA-B) na Doença Renal Crônica. Dissertação. Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Paraná.
- Schmidt, D. B. As Funções Executivas e Personalidade de Pessoas com Doença Renal Crônica em Hemodiálise. Dissertação. Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Paraná.
- Walter, L. R. S. (2022). Comprometimento cognitivo leve em pacientes em terapia hemodialítica: estudo de coorte. Dissertação. Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Paraná.
- Santos, J. C. (2023). Imaginário e Envelhecimento: experiência de idosos com Doença Renal Crônica na perspectiva da Psicologia Analítica. Tese. Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano da Universidade de São Paulo.
Nos últimos 25 anos a Psiconefrologia tem participado de toda a trajetória de adoecimento do indivíduo, acompanhando-o do momento em que chega ao ambulatório para confirmação diagnóstica da insuficiência renal crônica e necessidade de cuidado e tratamento especializados. O trabalho no terceiro setor dentro de uma instituição promotora de ensino, pesquisa e cuidado reforçam a oportunidade de aprendizado e de revisitar valores da condição de ser humano: “não tem como você lidar com fragilidades do outro sem que isso reflita um pouco sobre as suas, e o quão grato você deve ser pela vida”.
Leia o artigo publicado pelo Conselho Regional de Psicologia na íntegra: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/psiconefrologia-consideracoes-sobre-o-percurso-profissional-e-a-construcao-da-pratica-clinica/.
E conheça mais sobre o trabalho da equipe multiprofissional da Fundação Pró-Renal: https://pro-renal.org.br/o-que-fazemos/especialidades-medicas-e-multiprofissionais/
Referências
Brasil. Conselho Federal de Psicologia. Resolução nº 17, de 19 de julho de 2022. Recuperado de https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-17-de-19-de-julho-de-2022-418333366
Brasil. Organização da Sociedade Civil (OSC). Ministério da Fazenda. Receita Federal. Publicado em 27/10/2022. Atualizado em 04/06/2024. Recuperado de https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/cidadania-fiscal/extensao/osc#:~:text=As%20Organiza%C3%A7%C3%B5es%20da%20Sociedade%20Civil,no%20atendimento%20%C3%A0s%20pessoas%20em
Conselho Federal de Psicologia. (2019). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) nos serviços hospitalares do SUS. Conselho Federal de Psicologia, Conselhos Regionais de Psicologia e Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (1a ed). Brasília : CFP. Recuperado de https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/11/ServHosp_web1.pdf
Okumura, I. M. (2024). Psiconefrologia: considerações sobre o percurso profissional e a construção da prática clínica. CadernoS de PsicologiaS, Curitiba / CRP-08, v. 6. Disponível em: https://cadernosdepsicologias.crppr.org.br/psiconefrologia-consideracoes-sobre-o-percurso-profissional-e-a-construcao-da-pratica-clinica/
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