Textos Reflexivos

Cuidados paliativos e a relação paciente-equipe

Autora: Psicóloga Luana Rayana de Santi

Proteger. Esse é o significado de paliar, derivado do latim pallium, termo que nomeia o manto que os cavaleiros usavam para se proteger das tempestades pelos caminhos que percorriam. Proteger alguém é uma forma de cuidado, tendo como objetivo amenizar a dor e o sofrimento, sejam eles de origem física, psicológica, social ou espiritual. Por esse motivo, quando ouvir que você ou alguém que conhece é elegível a cuidados paliativos, não há o que temer” (ANCP)

Sublinho as palavras “amenizar a dor e o sofrimento” diante dos contextos “físico, psicológico, social ou espiritual” porque acredito que isso representa, de forma sucinta, princípios norteadores à prática profissional de uma equipe que esteja envolvida com os cuidados paliativos. Neste link, há um texto sobre cuidados paliativos na Doença Renal Crônica elaborado pela Psicológa Jéssica Carolina dos Santos, que poderá introduzi-los ao assunto.

Amenizar o sofrimento significa que precisaremos, antes de tudo, estabelecer contato genuíno junto a esse paciente (que é mais do que um corpo adoecido ou uma patologia instaurada) para conhecê-lo em todas as esferas supracitadas. Tarefa às vezes difícil, pois vale ressaltar que para lidar com o sofrimento do outro, é necessário suportar – antes de tudo, o próprio sofrimento.

O desafio de reconhecer a não cura e de ter que lidar com a limitação das possibilidades terapêuticas, comumente produz conflitos ao profissional que em sua formação recebeu instrumentais teóricos para lidar com a vida – como se na relação de opostos, a morte não fosse parte dela. E nessa lógica, o paciente que convive com uma doença em estágio terminal pode ser facilmente direcionado ao campo do fracasso científico.

Derek Doyle, importante nome da medicina paliativista, traz reflexões acerca disso: “penso que outros médicos concordariam comigo que nós somos treinados para falar, mas não para permanecer em silêncio. Somos ensinados a explicar, mas não a escutar. Nada nos foi ensinado sobre a paz interior nem sobre solidão, e muito menos sobre a força do amor e da companhia espontânea”.  Paul Kalanithi, neurologista, também refere que “A ciência poderá, talvez, ser o meio mais eficaz para organizar os dados empíricos e reprodutíveis, mas este seu poder origina-se da incapacidade de avaliar os aspectos fundamentais da vida humana: esperança, medo, amor, ódio, beleza, inveja, honra, fraqueza, determinação, sofrimento, virtude”. Essas reflexões endossam a concepção de que estar ao lado do paciente é crucial, pois apoiar também é cuidar. Em Cuidados Paliativos o enfoque não é dado à cura ou controle, mas ao indivíduo, compreendido através de sua história, desejo e autonomia.   

Isso significa que o paciente participa ativamente de seu tratamento, uma vez que, como já dito, a decisão terapêutica no cuidado paliativo é a autonomia. Ou seja, respeita-se o desejo sobre como o corpo do paciente será tratado, para que as suas diretivas de vontade sejam consideradas sem que se deixe de investir em seu cuidado.

A obra Bilhete de Plataformas, escrita por Derek Doyle, se trata de um compilado de narrativas vivenciadas pelo autor ao longo dos anos em que esteve envolvido com os cuidados paliativos. O título do livro surgiu através de uma metáfora na qual o profissional que atua com cuidados paliativos assemelha-se “ao amigo que se despede do outro viajante na plataforma da estação ferroviária. Era costume antigo na Europa, dar a esse acompanhante um bilhete, para que subisse e permanecesse na plataforma até a partida do trem” (BIFUCO; COUTO, 2019, s/p).

Coincidentemente, essa metáfora me fez recordar de uma frase que há pouco foi dita pela Psicóloga Vitória Cordovil, no I Encontro Multidisciplinar de Cuidados Paliativos da Faculdades Pequeno Príncipe, pois quanto profissionais de saúde “toda pessoa que nos chega é um passageiro, mas que tem muito a nos ensinar”.

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