Pesquisas Científicas

Doença Renal Crônica e Qualidade de Vida

fonte: http://www.destrinchando.com.br/equilibrio-emocional/

Na área da saúde muito se fala em “qualidade de vida”, mas afinal o que seria uma vida “com qualidade”? Há vida “sem qualidade”? E quem pode avaliar a qualidade de uma vida?

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fonte: http://www.cobizmag.com/Trends/Can-your-quality-of-life-be-measured-on-a-spreadsheet/

Segundo o Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (1998), Qualidade de Vida é “A percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais ele vive, considerando seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. A Qualidade de Vida é, portanto, subjetiva, pois diz respeito à avaliação que cada sujeito faz de sua própria rotina. Ela é também multidimensional, pois vários são os fatores que podem ser considerados ao analisa-la, tais como: aspectos físicos, emocionais, sociais, padrões culturais e familiares, dentre muitos outros.

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fonte: http://www.ideiademarketing.com.br/2013/06/28/cool-hunting-um-olhar-sob-o-mundo-a-nossa-volta/

No contexto da saúde, precisamos considerar que todo o processo de adoecimento provoca rupturas e demanda adaptação e, sendo assim, pode afetar o modo como o sujeito percebe e qualifica sua vida. Com o avanço das tecnologias de manutenção da vida, crescem as discussões sobre os limites deste prolongamento e sobre seus impactos na qualidade de vida (HABERKORN, BRUSCATO, 2008).

A Doença Renal Crônica é classificada em 5 estágios. Do estágio 1 ao 4, a pessoa necessita de acompanhamento multiprofissional para retardar a progressão da doença. Neste período, a rotina é alterada pela necessidade de consultas e exames periódicos, mudança de hábitos alimentares e uso de medicações. O último estágio da doença, quando a função renal não está mais suprindo as necessidades do corpo, há a necessidade de uma terapia renal substitutiva (hemodiálise, diálise peritoneal ou transplante renal). Cada uma destas modalidades de tratamento vai exigir alterações diversas na rotina, demandando considerável tempo a ser despendido com o tratamento e alteração de hábitos de vida (alimentação, horários, dinâmica laboral e familiar, dentre outros).

Em 2016, o setor de Psicologia da Fundação Pró-Renal publicou uma pesquisa sobre Qualidade de Vida, Hospitalização e Mortalidade de pessoas com Doença Renal Crônica. Participaram do estudo 286 pacientes em hemodiálise. Como instrumentos de coleta de dados, foram utilizados o prontuário multiprofissional, um questionário sócio demográfico e um instrumento de Qualidade de Vida específico para Doença Renal, o Kidney Disease Quality of Life Instrument (K/DOQI, 2002). A média dos escores de qualidade de vida encontrada neste estudo foi 60,53  (+/- 14,10), menor do que as de estudos realizados nos Estados Unidos e na Europa e maior do que as encontradas na Índia e Arábia Saudita. Os aspectos que receberam melhores avaliações dos pacientes foram o “encorajamento da equipe de apoio”, a “função cognitiva”, a “satisfação do paciente”, a “qualidade das interações sociais” e o “suporte social”. Já os aspectos que receberam os piores escores foram “fardo da doença renal crônica”, “composto físico”, “papel Físico” (limitação), “função sexual” e “status de trabalho”. (OLIVEIRA et al, 2016).

Os participantes que tiveram maior tempo de hospitalização apresentaram piores escores de qualidade de vida. Não houve correlação significativa entre mortalidade e qualidade de vida neste estudo, apesar de outras pesquisas indicarem esta relação. Os pacientes que apresentaram elevados escores de “bem estar emocional” também apresentaram melhores escores em “função social”, “saúde geral”, “sintomas/problemas” e “dor”, evidenciando que estes fatores estão interligados (OLIVEIRA et al, 2016).

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fonte: https://maismaismedicina.wordpress.com/2017/08/19/mecanismo-proposto-para-a-doenca-renal-de-etiologia-desconhecida/

Já o estudo de Fassbinder et al (2015) comparou a qualidade de vida e funcionalidade de pacientes em hemodiálise e em pré diálise (tratamento conservador) e encontrou diferenças significativas entre os dois grupos apenas no quesito saúde mental do instrumento de Qualidade de Vida (melhor avaliado entre os pacientes em hemodiálise) e na alteração da força muscular respiratória (pior em pacientes em hemodiálise).

Condé et al, 2010 compararam a cognição, a qualidade de vida e os escores de depressão de pacientes sem Doença Renal Crônica (com Hipertensão), pacientes com Doença Renal Crônica em pré-diálise, pacientes em diálise peritoneal e pacientes em hemodiálise. Os autores não encontraram diferenças significativas entre as diferentes modalidades de tratamento no que diz respeito à depressão e à qualidade de vida. Houve uma tendência a um pior desempenho cognitivo em pacientes em Hemodiálise. Os escores de depressão foram consideráveis em todos os grupos, evidenciando maior incidência de sintomas depressivos do que na população geral, 8% a 12%, segundo Villano e Gnanhay (2011).

Mesmo não havendo diferença estatisticamente significativa entre os grupos no estudo de Condé et al (2010), observaram-se algumas tendências. Pacientes em hemodiálise apresentaram os melhores escores em saúde mental e os piores escores em aspectos emocionais, sociais, vitalidade, estado geral de saúde, dor e aspectos físicos. Pacientes que não apresentavam a  Doença Renal Crônica evidenciaram os melhores escores em estado geral de saúde, dor, aspectos físicos e capacidade funcional, contudo, evidenciaram os piores escores em saúde mental. Pacientes em diálise peritoneal apresentaram altos escores de qualidade de vida em aspectos sociais e os piores escores em capacidade funcional.

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fonte: http://inforqualityqm.blogspot.com.br/

Com relação ao transplante renal, a pesquisa de Costa e Nogueira (2014) evidenciou baixos escores em aspectos físicos e altos escores em aspectos sociais. A atividade laboral e a renda familiar superior a três salários mínimos associaram-se significativamente com uma melhor qualidade de vida. Dentre os participantes do estudo, 61,9% encontravam-se sem trabalho após o transplante. Os autores chamam a atenção para a importância das atividades laborais na qualidade de vida de pós-transplantados e as potenciais dificuldades de retorno e/ou permanência no mercado de trabalho.

Considerando a premissa de oferecer um cuidado humanizado ao paciente, a equipe de saúde tem como responsabilidade “[…] cuidar do paciente como um todo, englobando o contexto familiar e social, incorporando e respeitando os seus valores, esperanças, aspectos culturais e as preocupações de cada um” (OLIVEIRA, MACEDO, p.173, 2008). Para tanto, há que se atentar para as percepções do paciente sobre sua qualidade de vida e, com base em seus valores, prioridades e objetivos, formular um plano de cuidado integrado que o envolva como sujeito ativo em seu próprio tratamento.

Dentre as possíveis ações da equipe multiprofissional de saúde para promover um cuidado humanizado e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, pode-se listar: a promoção da autonomia; o acesso às informações; a opção pelo tratamento mais adequado considerando os objetivos do paciente e envolvendo-o nesta escolha; ações visando aumento da capacidade funcional, sempre que possível; adaptações de rotinas e dos tratamentos, considerando o bem-estar do paciente; o controle da dor; a promoção de conforto, segurança, privacidade e acolhimento. (HABERKORN, BRUSCATO, 2008).

O cuidado humanizado e que tenha como prioridade a qualidade de vida é fundamental para o bom vínculo entre equipe e paciente e tem impactos positivos na adesão ao tratamento e na promoção/melhora da saúde. Para tanto, é crucial a capacidade de percepção e escuta por parte da equipe de saúde. (OLIVEIRA, MACEDO, 2008).

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fonte: https://urbanclinic.net/2013/11/05/a-butterflys-lesson/

As pesquisas sobre qualidade de vida nos auxiliam a compreender quais aspectos estão envolvidos e impactados em cada condição de saúde. Contudo, é apenas no contato direto e individualizado com cada sujeito que a equipe poderá planejar as intervenções adequadas e, assim, contribuir para melhorar sua qualidade de vida.

 

REFERÊNCIAS

  • CONDÉ, S. A. L. et al. Declínio cognitivo, depressão e qualidade de vida em pacientes de diferentes estágios da doença renal crônica. J Bras Nefrol, 32, v.3, p.242-248, 2010.
  • COSTA, J. M.; NOGUEIRA, L. T. Associação entre trabalho, renda e qualidade de vida de receptores de transplante renal no município de Teresina, PI, Brasil. Bras. Nefrol.,  São Paulo ,  v. 36, n. 3, p. 332-338,  Sept.  2014.
  • FASSBINDER, T. R. C. et al. Capacidade funcional e qualidade de vida de pacientes com doença renal crônica pré-dialítica e em hemodiálise – Um estudo transversal. J Bras Nefrol, n.37, v.1, p.47-54, 2015.
  • HABERKORN, A; BRUSCATO, W. L. Qualidade de vida e internação em UTI. In: KNOBEL, E. Psicologia e Humanização: assistência aos pacientes graves. São Paulo: Atheneu, 2008.
  • K/DOQI clinical practice guidelines for chronic kidney disease: evaluation, classification and stratification. Am J Kidney Dis., v.39, n.2), p.1-246, 2002.
  • OLIVEIRA, A.P.B., SCHMIDT. B., AMATNEEKS, T.M., SANTOS, J.C., CAVALLET, L.H.R., MICHEL, R.B. Quality of life in hemodialysis patients and the relationship with mortality, hospitalizations and poor treatment adherence. J. Bras. Nefrol. 2016;38(4):411-420.
  • OLIVEIRA, M. C.; MACEDO, P. C. M. Evolução histórica do conceito de humanização em assistência hospitalar. In: KNOBEL, E. Psicologia e humanização: assistência aos pacientes graves. São Paulo: Atheneu, 2008.
  • THE WHOQOL GROUP. The World Health Organization quality of life assessment instrument (WHOQOL): position paper from the World Helth Organization. Soc Sci Med, v. 46, n.12, p.-1403-10, 1995.
  • VILLANO, L. A. B.; GNANHAY, A. L. Depressão: epidemiologia e abordagem em cuidados primários de saúde. Revista Hospital Universitário Pedro Ernesto, n.10, v.2, 2011.

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