Cotidiano

Com tanta Informação Acessível por Aí, Por que é Difícil Mudar nossos Hábitos?

Resenha da cartilha “Por que é difícil mudar hábitos? Interfaces em Neurociências” da editora Pearson, disponível aqui.

Por: Debora Berger Schmidt

Saber dos processos de uma doença e um tratamento é muito importante para organização de autocuidado e rotinas de vida. Não à toa ações preventivas de Educação em Saúde ganham espaço e foco nas políticas de saúde pública, pautada no conceito definido pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2006):

 

Educação em saúde: (…) Conjunto de práticas do setor que contribui para aumentar a autonomia das pessoas no seu cuidado e no debate com os profissionais e os gestores a fim de alcançar uma atenção à saúde de acordo com suas necessidades.

 

Definida então como uma educação destinada a aumentar a autonomia das pessoas no seu cuidado, a educação em saúde, por si só, parece não garantir a mudança de comportamentos. E é aí que fica evidente mais uma das inúmeras complexidades do ser humano: por que não conseguimos mudar nossos hábitos, mesmo a ciência trazendo cada vez mais evidências da importância de incorporação de novas rotinas?

Vamos fazer um exercício de reflexão rápido: Quantos profissionais da saúde fazem escolhas diárias saudáveis?  Quantos se colocam diariamente em risco com seus hábitos? Quantos profissionais da saúde você encontra fumando na entrada de um hospital? Quantos são obesos? Quantos são hipertensos e/ou diabéticos sem os devidos acompanhamentos?

Longe de fazer julgamentos, esses questionamentos trazem para reflexão sobre o quanto estamos em “piloto automático”, e que mudanças em geral exigem grande esforço que vão além do “saber”. Segundo Lima e Malloy-Diniz (2017), o ser humano tende a agir por repetição para garantir uma economia de energia cognitiva, disponibilizando recursos mentais para outras questões que são importantes no cotidiano. Um exemplo disso pode ser observado no comportamento do fumante: acaba por repetir o comportamento de fumar como forma de se esquivar dos incômodos da abstinência: mal-estar, alteração no humor, etc. Não fumar significa sair do padrão, uma situação que requer controle, planejamento, e por assim dizer, energia cognitiva.

Para adquirir novos hábitos é preciso então criar novas repetições de comportamentos.  Quanto mais repetimos, menos recursos cognitivos serão exigidos com o passar do tempo, e menos dispendioso esse processo será. Portanto, novos hábitos se estabelecem, necessariamente, com a repetição.

A cartilha apresenta um guia que pode auxiliar profissionais de saúde a compreender seus pacientes ou ainda para ajudar qualquer pessoa no processo de mudança de comportamentos. Na cartilha são apresentadas o total de 18 dicas que estão resumidas abaixo:

Grandes mudanças levam tempo e estão mais próximas do sucesso quando o hábito alvo é segmentado em pequenas mudanças de cada vez. Por exemplo, se você almeja uma mudança mais ampla de vida, com a inclusão de uma alimentação saudável e prática de exercícios, mas sua vida atual é de sedentarismo e uma alimentação repleta de “porcarias” vá com calma. Elenque um exercício da gama de atividades propostas em uma academia, ou escolha uma linha de dieta a seguir. Seguir todas as opções da academia (que muitas vezes vão da luta à natação) ou todas as dietas disponíveis na internet vai te deixar confuso. Escolher é difícil então, simplificar o teu processo de escolha colocando um número muito pequeno de opções pode tornar as coisas bem mais fáceis e facilitar a automatização de um comportamento.

O mesmo vale para a escolha de um objetivo. Aqueles mais amplos como “ser organizado” são mais difíceis de serem alcançados. O ideal é segmentar esse objetivo em pequenos comportamentos: escrever na agenda, olhar a agenda, arrumar a cama antes de sair de casa, etc. Considerar a mudança como um projeto, dividindo-a em etapas realistas, pode tornar estáveis novos padrões de pensamento e comportamento.

Outro ponto importante é identificar os gatilhos para velhos hábitos. O ambiente, assim como os estado emocional, são os principais mantenedores de hábitos. Tomar um café te faz pensar no cigarro? O estresse de uma reunião importante também? Evite essas situações se for possível. Se não for, programe-se previamente para emitir novos hábitos com mais frequência e eficiência nestes contextos.

Seja gentil consigo mesmo. É muito comum que cobremos de nós mesmos um controle total de nossos comportamentos. Obrigar nosso corpo a todo custo a realizar tarefas racionalizadas é o caminho para a ansiedade e postergação: “A perspectiva irreal de controle total fomenta a autocobrança e potencializa o sentimento de fracasso, que contribui ainda mais para a urgência por comportamentos que foquem no curto prazo (em geral, os que gostaríamos de deixar).” (LIMA, MALLOY-DINIZ, 20017; p.30)

Por fim, os autores sinalizam: dificilmente será possível executar perfeitamente um plano ideal, mas isso não precisa ser motivo para abandona-lo definitivamente. Os autores resgatam o quanto somos infinitamente sobrecarregados emocionalmente e cognitivamente na atualidade, o que torna propício a ajuda de profissionais de saúde, como psicólogos, psiquiatras, educadores físicos e nutricionistas na mudança de comportamentos tendo como foco não o tratamento, mas a prevenção de doenças e promoção da qualidade de vida de quem não tem um diagnóstico específico. Se, por um lado os profissionais possuem o saber, mas a execução do conhecimento é da própria pessoa, deve-se considerar que a interlocução desses dois aspectos é atravessada pela saúde mental. Daí sua importância na integração e efetividade dos cuidados.

 

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde (MS) (2006). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão e da Regulação do Trabalho em Saúde . Câmara de Regulação do Trabalho em Saúde. Brasília: MS.

LIMA, Isabela M. Magalhães. MALLOY-DINIZ, Leandro F.(2017). Porque é difícil mudar hábitos? Coleção Interfaces em Neurociências. São Paulo: Pearson.

 

 

 

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