Textos Reflexivos

Repensando e Desconstruindo o Ser Normal e o Patológico na Sociedade Moderna

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Por: Jéssica Caroline dos Santos

O Brasil assistiu a cenas de terror em março deste ano, estudantes da Escola Estadual Professor Raul Brasil localizada em Suzano foram surpreendidos por dois jovens armados, atirando nas pessoas próximas e também utilizando outros instrumentos de tortura como a besta e um machadinho. O massacre resultou na morte de 08 pessoas entre estudantes e funcionários. Um dos atiradores foi Guilherme Taucci, 17 anos, morava com os avós, descrito como reservado. Segundo seu avô: “Era um garoto bom em casa”. “Nunca bebeu, nunca fumou e as brigas que tinha com ele eram bobas, coisa de família”. “O adolescente, porém, ficava bastante tempo sozinho no quarto”. Segundo sua mãe: “Ele sempre gostou dessas coisas de nazismo, góticas, roupas pretas e aquela franja emo”. Os meninos gostam dessas coisas, não era só ele não. “Coitado do meu filho – afirma a mãe Tatiana” (O Globo, 2019).

Neste recorte é possível identificar que a família não conseguiu perceber nenhum sinal, sintoma de uma possível psicopatologia. Geralmente os adolescentes são relacionados às transgressões, comportamentos de riscos como o uso de álcool, drogas, sexuais e demais condutas opositoras a cultura vigente. Esses adolescentes estavam voltados ao mundo externo enquanto os atiradores vivenciavam um mundo interno, sendo eles reservados, introvertidos, relacionavam-se e direcionavam sua energia psicológica com grupos extremistas, terroristas. Neste contexto, existem comportamentos que são esperados para determinado ciclo de vida e, portanto, não são psicopatológicos, mas precisam ser monitorados e outros valorizados e esperados socialmente, mas que também necessitam de acompanhamento regular, pelo limite tênue que as psicopatologias apresentam.

Para Canguilhem (2009) a discussão do que é normal ou patológico gera embates que vão além das questões fisiológicas e necessitam ser entendidos dentro das relações estabelecidas com a sociedade, política e cultura. Para o autor, a saúde é a capacidade dos indivíduos em se adaptarem ao meio e assim, criarem novas maneiras de seguir a vida.

Desse modo, conforme o desenvolvimento da sociedade as conjunturas sobre o fenômeno patológico precisam ser repensadas, o modelo do adolescente perfeito que não infringe não é necessariamente o sinônimo de normalidade e saúde. Para além desse contexto, ao retratarmos indivíduos que realizam tratamentos de saúde, o comportamento expresso nesses ambientes que em muitos casos exprimem atitudes de negação e revolta nem sempre podem ser considerados patológicos.

Os comportamentos descritos acima podem ser justificados pelo Transtorno de Adaptação. De acordo com o DSM-5 trata-se do desenvolvimento de sintomas emocionais ou comportamentais em resposta a um estressor ou estressores identificáveis ocorrendo dentro de três meses do início do estressor ou estressores. Esses sintomas ou comportamentos são clinicamente significativos proporcionando sofrimento intenso, prejuízo no funcionamento social, profissional e outras áreas importantes. A consequência e a alteração afetiva.

È necessário desconstruir o ideal do ser humano para podermos olhar para sua complexidade. Independente do ciclo de vida, da condição de saúde o limite entre o normal e o patológico também é subjetivo e necessita ser olhado ao longo da história de vida de cada um. A passividade diante os fenômenos que o ocorrem não significa uma fase de aceitação, mas pode se tratar de uma negação frente ao processo criativo que Canguilhem (2009) descreve acima.

Para Canguilhem (2009) “a doença não é somente desequilíbrio ou desarmonia, ela é também, e talvez, sobretudo, o esforço que a natureza exerce no homem para obter um novo equilíbrio” (Canguilhem (2009, pg. 12). Neste sentido, esses indivíduos necessitam ser orientados e estimulados para que possam encontrar um novo caminho.

É preciso repensar, refletir e descontruir modelos de comportamentos esperados e expressados nos diversos contextos. As relações humanas, o cuidar são ferramentas milenares e importantes nos tratamentos de saúde. Diante das dificuldades enfrentadas de adaptação o acolhimento e o olhar integral contribuem para a construção de novos modelos de pensar o sentido do existir e do adoecer.

 

 

Referências:

O Globo, disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/ele-sempre-gostou-dessa-coisas-de-nazismo-gotico-diz-mae-de-atirador-23522945. Acessado em 20/04/2019.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora, 2014.

CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 6.ed. ver. 2009.

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