Imagem: http://cnbc.com/2020/05/02/who-us-just-reported-deadliest-day-for-coronavirus.html
Autor: Iris Miyake Okumura
Medidas de prevenção à pandemia da COVID-19 trouxeram mudanças significativas na rotina de milhares de pessoas. Trata-se de uma crise sanitária mundial, portanto, requer investimento coletivo para a não disseminação do vírus. Todo investimento implica em custo e, no contexto da subjetividade, remete ao dispêndio da saúde mental. (Confira nossas postagens anteriores relacionadas ao coronavírus: http://psiconefrologia.com/2020/03/27/saude-mental-subjetividade-e-coletividade-reflexoes-sobre-o-covid-19/ ; http://psiconefrologia.com/2020/04/07/autocontrole-e-enfrentamento-no-isolamento/).
Um dos grupos que mais alarmam cuidado em saúde mental é o de profissionais da saúde por lidarem no manejo de enfermos e, na crise atual, diretamente com a COVID-19. Porém, ser linha de frente significa mais do que atuar em um serviço essencial, tratar um paciente ou intervir sobre uma doença, há a representação subjetiva no desempenho desse papel que abarca as fragilidades humanas: medos, angústias, cansaço, desmotivação, fantasias, entre outras.
Nesse ínterim, pesquisas em saúde mental com profissionais da saúde tem sido conduzidas a fim de analisar o impacto emocional e psicológico de um evento altamente estressor. Destaque para dois estudos de surtos anteriores por coronavírus que rastrearam aspectos psicológicos de profissionais – o primeiro sobre a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) em 2003 e o segundo sobre a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) em 2015 (PHUA et al, 2005; LEE et al, 2018).
A pesquisa no contexto da SARS recrutou médicos e enfermeiros atuantes no setor de emergência hospitalar. Resultados indicaram que a maioria dos profissionais escolheram a resposta adaptativa (solução de problemas) e os autores enfatizam que intervenções psicossociais devem levar em conta os recursos de enfrentamento de cada população (PHUA et al, 2005).
No estudo relativo à MERS, obteve-se a participação de maior quantidade e variedade de áreas de atuação em saúde, inclusive de 73 doentes renais crônicos que estavam de quarentena no hospital em que a pesquisa foi conduzida. Os dados mais alarmantes obtidos se concentraram sobre os profissionais de saúde, grupo que apresentou resultados significativamente maiores na avaliação do impacto de um evento estressor, o que sugere que é o principal alvo para intervenções com foco sobre saúde mental (LEE et al, 2018).
Quanto aos pacientes renais, estes apresentaram bons níveis de ajustamento e baixo distresse psicológico. Tão logo foram submetidos à quarentena, o hospital manteve toda a assistência que envolve o tratamento hemodialítico e forneceu acompanhamento psicológico a todos pacientes, o que pode ter contribuído para os resultados positivos (LEE et al, 2018). Evidencia-se o maior zelo sobre os pacientes vistos como fisicamente mais vulneráveis, porém negligencia o cuidado de quem cuida, cujos resultados sobre avaliação de bem-estar emocional e psicológico indicam maior acometimento e, portanto, maior desamparo.
O novo coronavírus já conta com publicações com objetivos similares aos descritos acima. O estudo de Lai e colaboradores (2020) contou com mais de 1200 profissionais da saúde em hospitais na China, incluindo Wuhan, epicentro da COVID-19. Resultados enfatizam que a categoria enfermagem, sexo feminino, trabalhadores da linha de frente e profissionais atuantes em Wuhan apresentam níveis mais altos para todos os constructos avaliados em saúde mental. Além disso, aqueles que trabalham na linha de frente, isto é, engajados no diagnóstico, tratamento e cuidado de pacientes com COVID-19, apresentaram maior risco para incidência de sintomas depressivos, ansiedade, insônia e distresse (LAI et al, 2020).
Tal como pontuado por Perlis (2020) em comentário à pesquisa de Lai et al (2020), houve pouco tempo para coleta e processamento dos dados e, por tratar de um recorte temporal, desconsidera os precedentes psicopatológicos da amostra. Contudo, a pesquisa reforça que em paralelo ao combate à pandemia e assistência aos pacientes, há a luta relacionada à manutenção e manejo das consequências sobre saúde mental entre os profissionais da saúde.
“Através do mundo, médicos, enfermeiros e outros trabalhadores de linha de frente fazem um trabalho heroico e de salvamento à vida em contextos estressantes no cotidiano. Entretanto, a carga requerida para prover esses cuidados precisa ser reconhecida: cedo ou tarde, todo clínico também será paciente. Mesmo fora de epidemias, guerras, e outras crises de saúde pública, profissionais da saúde enfrentam bastante estresse, exacerbados por mudanças estruturais na medicina que refletem na própria natureza do trabalho. Esse estresse excede o conceito popular mas impreciso de burnout. William Oscler chamou a prática da medicina de “um chamado, não uma empresa; um chamado em que seu coração será exercitado igualmente com sua cabeça”. Seja coração ou cabeça, Lai et al fornecem um lembrete que esse chamado não vem sem custo.” (PERLIS, 2020 – tradução livre).
Referências
LAI, J. et al. Factors Associated With Mental Health Outcomes Among Health Care Workers Exposed to Coronavirus Disease 2019. JAMA Network Open. 2020. doi:10.1001/jamanetworkopen.2020.3976.
LEE, S.M. et al. Psychological impact of the 2015 MERS outbreak on hospital workers and quarantined hemodialysis patients. Comprehensive Psychiatry. 2018. https://doi.org/10.1016/j.comppsych.2018.10.003.
PERLIS, RH. Exercising Heart and Head in Managing Coronavirus Disease 2019 in Wuhan. JAMA Network Open. 2020. doi:10.1001/jamanetworkopen.2020.4006.
PHUA, D.H. et al. Coping Responses of Emergency Physicians and Nurses to the 2003 Severe Acute Respiratory Syndrome Outbreak. ACAD EMERG MED. 2005. doi:10.1197/j.aem.2004.11.015.
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