Autora: Luana R. de Santi
No documentário, o Sr. “Solitário Anônimo” chega ao Hospital em estado de desnutrição grave, intencionado a morrer por inanição. Não queria mais viver. Ao ser atendido, repetia diversas vezes “deixem-me… eu quero morrer em paz”. Enquanto a equipe de saúde insistia que não poderia permitir sua morte, que ele precisava se alimentar e permitir o uso da sonda nasogástrica. Recusava revelar o nome. No bolso, o bilhete datado em 2006 dizia ser um homem de longe, sem vínculos próximos.
“O imperativo do cuidado impõe-se à vontade do indivíduo, e o paciente é vencido. Contudo, ainda lhe restava ao menos uma forma de resistência”, que era o anonimato (OLIVEIRA; SIQUEIRA, 2013). Desejava morrer assim, solitário e anônimo. Enquanto a equipe realizava os primeiros socorros, o senhor se sentia vítima de um ato de invasivo, onde lhe roubavam a autonomia.
Questionado pelo que o induziu a desistir de viver, o Sr. Solitário apenas dizia que não havia motivos para continuar. Rompeu vínculos e distanciou-se de seus pares… não queria se sentir aprisionado. Compreendia o futuro como “mera probabilidade”.
Depois de alguns meses do internamento, relatou que gostaria de ter morrido em paz, mas que entendeu que não teria como fazê-lo diante de sua hospitalização – porque não havia como medir forças contra a Instituição que o amparou. Então decidiu, mesmo que à contragosto, aguardar pelo fim de seus dias, sem antecipá-los. Nada sabemos sobre a sua história de vida e os determinantes que o levaram ao desejo de não viver. O Sr. Solitário parecia convicto em sua fala, mas nós, espectadores, não fazemos idéia de sua trajetória.
Este é um documentário para refletir e também destacar a importância da Psicologia em contextos hospitalares. De acordo com Simonetti (2013), a Psicologia Hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos que permeiam o adoecimento, os quais são compreendidos pelas manifestações da subjetividade humana diante da doença.
Expressa por meio de comportamentos, falas, desejos, fantasias e afins, a dimensão subjetiva do indivíduo interfere diretamente na relação com o adoecimento. No caso do Sr. Anônimo, por exemplo, suas questões emocionais parecem tê-lo conduzido ao adoecimento.
Além disso, é notável que outras subjetividades também interferiram no curso do tratamento recebido. A Psicologia Hospitalar define como objeto de trabalho a dor do paciente e a angústia disfarçada da equipe. É, também, responsável por atuar como facilitadora dos relacionamentos entre paciente-equipe-família (Simonetti, 2013), alinhando a comunicação e favorecendo o fortalecimento dos vínculos.
Ao assistir o documentário, observa-se demandas que poderiam ser atendidas pela(o) Psicóloga(o) e que talvez tenham sido represadas pela sobreposição do adoecimento físico do paciente- o qual sentiu-se invadido, desrespeitado.
O que aconteceria se o
Sr. Solitário tivesse sido acolhido assim que chegou ao hospital? Como seria a
sua reação ao sentir-se validado, ouvido e respeitado? O que teria acontecido se a sua subjetividade
fosse considerada tão importante quanto a nutrição de seu corpo? Seria
importante acolher a angústia da equipe? Quais são os limites e limitações que
nós, enquanto profissionais da saúde, devemos reconhecer?
De acordo com Simonetti (2013)
quando o psicólogo entrevista pela primeira vez, está traçando o diagnóstico
(reacional) sobre a forma que o paciente lida com a sua doença e também
oferecendo a possibilidade de o paciente elaborar sua a doença por meio da
fala, o que por si só tende a produzir efeitos terapêuticos. Chama atenção a
frase escolhida pelo Sr. Solitário para falar de seu passado: “uma montanha de
lixo”. Aparentemente, ela faz alusão a sensação de despertencimento, fracassos,
sentimento de inadequação para os quais, talvez, não tenha encontrado lugar.
Os fracassos revelam fantasias, e fantasias mostram a alma mais profunda. Os fracassos são, portanto, importantes neles mesmos — não como um caminho para outra coisa — porque neles encontramos necessidades e verdades que a razão pura desconhece. Neles, a consciência psicológica emerge. Isso é o mais difícil. Qualquer terapeuta sabe disso.– Gustavo Barcellos.
Link do documentário: https://www.youtube.com/watch?v=uTZEDtx8noU
Referência
OLIVEIRA, Ana Claudia Coelho de; SIQUEIRA, Vera Helena Ferraz de. O infame solitário: o que o documentário Solitário Anônimo pode acrescentar aos debates sobre educação em saúde?. Pro-Posições, Campinas , v. 24, n. 2, p. 147-164, Aug. 2013 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072013000200011&lng=en&nrm=iso>. access on 30 Nov. 2020. https://doi.org/10.1590/S0103-73072013000200011.
SIMONETTI, Alfredo. Manual de Psicologia Hospitalar. O mapa da doença, 2013. Casa do Psicólogo.
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