Imagem: Comunicação Pró-Renal
Autora: Debora B. Schmidt
Embora seja um assunto “pesado”, que muitas pessoas hesitam em tratar, os números de suicídio e tentativa revelam a importância de abordarmos sobre a prevenção da saúde mental, superando pré-conceitos, generalizações ou explicações reducionistas sobre o tema. Não à toa, o mês de setembro é reconhecido como “Setembro Amarelo”, uma iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria, em parceria com o Conselho Federal de Medicina para prevenção ao suicídio.
- Conceitos
Muitas vezes ficamos assustados com o relato de pacientes, colegas ou amigos, falando sobre o desejo de morte. Mas será que isso significa um risco para suicídio? Por isso, vale a pena abordarmos alguns conceitos. O comportamento suicida envolve a ideação, o planejamento e a tentativa de autoextermínio. Dessa forma, o suicídio em si, consiste em um ato intencional (iniciado e finalizado) de uma pessoa com pleno conhecimento ou expectativa de sua morte. Diferentemente do suicídio, a tentativa de suicídio é quando uma pessoa provoca uma lesão ou um dano em si mesmo, não fatal, mas com a intenção de morrer. A ideação suicida são pensamentos sobre tirar a própria vida e estar morto, enquanto que o planejamento suicida confere maior gravidade a ideação, porque mais do que pensamentos, ele consiste em detalhar métodos com a intencionalidade explícita do suicídio. Já a automutilação, termo que vem crescendo aos olhos de estudiosos sobre o tema, se refere a qualquer comportamento de agressão intencional ao próprio corpo, sem que haja a intenção consciente do suicídio (CRP/01, 2020).
- Dados Epidemiológicos
Em termos absolutos, o Brasil está entre os 10 países que registram maior número absoluto de suicídios. O suicídio é a segunda causa mais frequente de morte entre pessoas de 15 a 29 anos no mundo. No Brasil, entretanto, o grupo populacional com maior índice de suicídio é entre a população idosa. Esse número preocupante se relaciona com o diagnóstico de depressão, isolamento social, doenças incapacitantes e degenerativas, dificuldades financeiras e aposentadoria. A população negra, LGBTI+, indígena, com histórico familiar de tentativas ou suicídio, pessoas de baixa escolaridade, com histórico de transtornos mentais e sofrimento psíquico, pessoas que fazem uso abusivo de drogas, pessoas que passam por situação de desemprego ou conflitos importantes nas relações de trabalho e profissionais da área da segurança são grupos associados a maior taxa de suicídio em nosso país (CRP/01, 2020).
- Pacientes com Doença Renal Crônica e Suicídio
Embora seja conhecida a alta prevalência de casos de depressão entre as pessoas com doenças crônicas e, especialmente com pessoas em tratamento para doença renal crônica, estudos brasileiros e atuais com foco em casos de suicídio nessa população ainda são poucos. Um estudo realizado em Taiwan revelou que naquela população o risco de suicídio foi quase 20 vezes do da população em geral (CHEN, et. al, 2018).
Em estudo brasileiro, ao comparar a intensidade dos sintomas de desesperança, depressão e ideação suicida entre pacientes transplantados renais e pacientes em hemodiálise, os autores não encontraram diferenças significativas nas respostas dos dois grupos, entretanto ressaltam que em ambos os grupos a prevalência de sintomas merecem atenção da equipe de saúde (ANDRADE, SESSO, DINIZ, 2015).
- Pontos a serem esclarecidos
Quando somos surpreendidos com a notícia de que alguém perto de nós fez uma tentativa de suicídio, muitas pessoas exclamam: “acho que ele/ela queria mesmo chamar atenção, porque se quisesse se matar de verdade, teria sido mais eficiente, ou escolhido outra maneira”. É importante reforçar que as ideações e tentativas de suicídio tendem a aumentar de forma gradual, uma vez que a letalidade pode aumentar em cada tentativa. Por isso nenhum caso deve desmerecer a atenção da equipe de saúde e da rede de apoio familiar. Esta última deve ser orientada sobre dificultar o acesso a meios de cometer suicídio, como armas de fogo, produtos tóxicos, objetos perfurocortantes e grandes alturas (CRP/01, 2020).
Outro ponto importante que merece reflexão diz respeito a certo movimento de “abafamento” dos casos de suicídio em nossa sociedade. O que a literatura reforça é a possibilidade do um chamado “efeito contágio”, ou seja, o desencadeamento de um surto de tentativas ou de suicídio em uma comunidade, desenrolado por um primeiro evento. O contágio está relacionado com a forma com que a morte voluntária é percebida pelos mais vulneráveis e com o vínculo que se tem com a pessoa que realiza o ato (especialmente se é uma pessoa querida, que pode implicar em certa influência de comportamento aos demais). Ressalta-se, porém, que ser cauteloso com a propagação das notícias de suicídio e tentativas não significa que o tema não deva ser abordado. Notícias midiáticas contendo o método, fotos do morto e sensacionalismo com cartas de despedidas devem ser substituídas por uma abordagem da mídia que busque atingir a população no sentido de desmistificar visões equivocadas sobre transtornos mentais e encorajando as pessoas a buscarem ajuda. Da mesma forma, familiares e pessoas próximas de quem cometeu suicídio devem ser acolhidos com respeito, pois nesses casos é comum sentimentos de culpa, raiva e julgamento. Receber o cuidado profissional nesse momento é um modo de evitar o efeito contágio.
(Fonte: CRP/01, 2020, p. 38)
- O acolhimento da equipe de saúde
Diversos serviços de atenção e cuidado às pessoas com risco de suicídio estão disponíveis para a população. Podemos destacar o CVV (Centro de Valorização da Vida), uma associação sem fins lucrativos que oferta serviço voluntário e gratuito como foco na prevenção ao suicídio. O atendimento é por telefone, mais informações aqui. Os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) se caracterizam como outra possibilidade de atendimento especializado à saúde mental que acolhem casos de risco de suicídio. As Unidades Básicas de Saúde, especialmente aquelas que contam com o apoio do Núcleo Ampliado de Apoio à Família (NASF) que são formados por, dentre outros, profissionais como psicólogos e terapeutas ocupacionais, são caminhos de acesso a tratamento de saúde mental para pessoas com risco de suicídio. Clínicas-escola de faculdades, clínicas populares (saiba mais sobre a clínica popular da Fundação Pró-Renal) e consultórios particulares também podem se caracterizar como serviços de referência para esses casos.
Especialmente no trabalho do psicólogo, os casos atendidos com ideação e planejamento suicida têm suas especificidades. É comum que nesses casos o trabalho de prevenção do suicídio seja realizado em parceria com a família e outros profissionais. Ao firmam o contrato terapêutico com o paciente, é importante reforçar a informação que o sigilo profissional será mantido desde que não haja risco de morte. A quebra de sigilo é uma conduta sempre delicada para o psicólogo/ a psicóloga, porém é recomendado fazê-lo considerando o risco e a necessidade de se criar uma rede de proteção da qual participam pessoas próximas ao paciente. É importante que o profissional seja capacitado para realizar uma avalição cuidadosa e detalhada para investigação do risco de suicídio e fatores de proteção para comportamentos suicidas (Nota Técnica CRP-09 002/2019).
Referências:
ANDRADE, Sibela Vasconcelos; SESSO, Ricardo; DINIZ, Denise Helena de Madureira Pará. Desesperança, ideação suicida e depressão em pacientes renais crônicos em tratamento por hemodiálise ou transplante. J. Bras. Nefrol., São Paulo , v. 37, n. 1, p. 55-63, Mar. 2015 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-28002015000100055&lng=en&nrm=iso>. access on 22 Sept. 2020. https://doi.org/10.5935/0101-2800.20150009.
CHEN IM, LIN PH, Wu VC, WU CS, SHAN JC, CHANG SS, LIAO SC. Suicide deaths among patients with end-stage renal disease receiving dialysis: A population-based retrospective cohort study of 64,000 patients in Taiwan. J Affect Disord. 2018 Feb;227:7-10. doi: 10.1016/j.jad.2017.10.020. Epub 2017 Oct 9. PMID: 29045916.
Deixe um comentário