Textos Reflexivos

Autocontrole e enfrentamento no isolamento

Autor: Ênio Ricardo Macedo Vilhena

Imagem: https://desconstrucaodiaria.files.wordpress.com/2018/03/loslaten-en-afscheid-nemen.jpg

Escrevo esta reflexão hoje, às 08:09 da manhã, do dia 25 de março de 2020. Uma das coisas que precisei neste momento foi acessar o relógio e o calendário. Por quê? Estou em isolamento desde o dia 19 de março, e a partir de então, não tenho percebido, por exemplo, a hora passar e nem me atentado para datas, apenas vivi esses dias observando tudo de incomum que vem acontecendo em minha vida.

O isolamento me fez observar que somos mais fortes do que imaginamos e através da nossa fragilidade podemos nos reerguer. Isso se chama enfrentamento.

Sobre enfrentamento, podemos pensar como a forma de lidar com eventos aversivos (experiências ruins) e essas estratégias, por sua vez, podem ser consideradas funcionais ou disfuncionais.

Por exemplo: quando um idoso não respeita o isolamento mesmo sabendo que faz parte de um grupo de risco para desenvolver sintomas graves do Covid-19, ele ainda assim está utilizando uma estratégia de enfrentamento disfuncional (pode trazer prejuízos) para alívio de possíveis sintomas de ansiedade que o isolamento proporciona.

Desta forma, se o mesmo idoso ao invés de sair de casa realizasse atividades de lazer e distração como cozinhar ou interagir com os netos, ele estaria lançando mão de uma estratégia de enfrentamento para duas demandas importantes, os possíveis sintomas de ansiedade e o aspecto aversivo que o isolamento proporciona, por isso considera-se uma estratégia de enfrentamento funcional, por reduzir os riscos de contaminação e controlar os níveis de ansiedade durante o isolamento.

Sabendo disso, por que é tão difícil enfrentar o isolamento?

Particularmente tenho uma hipótese: somos seres sociais, logo, nos organizamos desta forma. O controle social interfere diretamente no nosso autocontrole e vice-versa.

Skinner (1983), em sua obra “o mito da liberdade”  nos permite refletir sobre essa função do controle ambiental (social, cultural e biológico) frente ao autocontrole (individual). Quando ele fala sobre a autonomia do indivíduo, ele questiona a ideia de livre-arbítrio que segundo o dicionário de filosofia é “…o poder criador da vontade, capaz de agir como causa primeira…e escolher para si com completa independência” (DUROZOI; ROUSSEL, 1999). Sobre liberdade ele afirma que nós temos a possibilidade de agirmos na interferência do meio, no entanto, todo comportamento terá uma consequência que pode gratificar sua ação quando julgada positiva ou puni-la quando avaliada inadequada.

Sendo assim, nós os seres sociais, construímos nosso repertório por meio de nossas experiências, que transitam no contexto ambiental considerando fatores biológicos, sócio-culturais e individuais. Passando por interferência do meio, que pode ser a família, escola, grupo de amigos, igreja, trabalho etc, e interferimos em sua transformação simultaneamente. 

O ambiente, que mantém essa relação com o indivíduo, envolve aspectos físicos, como roupas, comida, objetos e lugares, até as pessoas que interagem entre si. Os indivíduos coletivamente constituem o ambiente social, o qual controla o comportamento de cada um do grupo, favorecendo ou não o bem-estar das pessoas.

Nesse momento atual, a pandemia atua como um estímulo para a sociedade, e nós automaticamente acessamos nosso repertório comportamental (história de vida e experiências positivamente reforçadas ou punidas) e reconstruímos nossas ações sobre o estímulo. Tal evento, por não ter semelhança com outros momentos vivenciados por nós é capaz de exercer um controle muito maior do que as regras impostas coletivamente (como o isolamento preventivo determinado pela comunidade científica que explicam minuciosamente sua importância e utilizam como exemplo as experiências de outros países como a Itália ou a China).

Todas essas informações nos coloca em um lugar de impotência ou resistência, quando nos sentimos impotentes tendemos a nos comportar e por vezes até aceitar o pior, talvez, esse grupo de pessoas que se conformam, venham a agir de maneira até irresponsável não respeitando regras que possibilitam o controle da pandemia. Já a resistência, pode nos permitir avaliar a demanda de maneira ativa e empática e mesmo que enfrentando os aspectos aversivos do isolamento, entendemos que é o melhor à se fazer no momento.

O autocontrole, por sua vez, é muito importante, ele nos permite lançar mão dessas estratégias de enfrentamento e agirmos como colaboradores ativos no processo de prevenção.

Quando nos isolamos podemos observar estímulos que antes eram controladores da nossa rotina e que neste momento podem ser insignificantes ou exercerem um papel de coadjuvante nas nossas vidas, como o exemplo do relógio e calendário, que particularmente são estímulos muito importantes para minha rotina de trabalho e que provavelmente também sejam, para muitos que estão lendo este conteúdo.

No entanto, este momento é oportuno para observarmos outros estímulos que passam despercebidos no nosso dia-a-dia e que hoje exercem o papel de indispensáveis, no meu caso, tem sido a utilização de tecnologias e as redes “sociais” (prefiro chamá-las de redes virtuais).

É notório que neste momento preservar nossa saúde mental é uma estratégia muito importante, por isso, colegas psicólogos vêm lançando mão de dicas importantíssimas para saber lidar com esse momento de maneira assertiva. Fazendo parte dessa rede optei por deixar aqui minha contribuição:

Dica número 1: observe-se! Isso mesmo, reflita sobre você, reflita sobre suas experiências, elenque suas necessidades. E escolha suas “armas” para enfrentar o isolamento.

Outra dica: permita-se sentir! Esse é um momento inesperado e tudo que é novo nos assusta, então, o medo é inevitável, sentir-se triste, ansioso e angustiado é natural. Não saberíamos reconhecer a felicidade se não tivéssemos vivenciado experiências tristes, por exemplo.

Mais uma dica: lembre-se que nesse momento, estar isolado não é diretamente proporcional ao estar sozinho. Além de você outras pessoas da sua rede de apoio estão vivenciando sentimentos e emoções semelhantes às suas, trocar uma ideia com um amigo, familiar, colega de trabalho, por ligação telefônica, vídeo-chamadas ou lives no Instagram proporcionam momentos de acolhimento e amparo afetivo que podem tirá-lo desse lugar de sofrimento, e simultaneamente você estará contribuindo para que seu amigo seja acolhido também.

Dica bônus: não sinta-se culpado por não seguir a rotina do seu digital influencer, ou artista favorito. Se você nunca fez yoga e mesmo seguindo as lives não tem se sentido relaxado ou não se identificou com a atividade, talvez esse seja o momento de desistir do yoga e ir dançar uma música que faça sentido pra você, ler um livro que você sempre quis ou simplesmente dormir um pouquinho mais. Lembre-se, suas experiências são o principal estímulo para lançar mão de uma estratégia de enfrentamento.

Por último mas não menos importante: Por conta do contexto atual temos psicólogas (os) realizando atendimentos online (atendimentos autorizados pelo CFP), essa é também uma opção para aqueles que têm uma rede de apoio limitada, que estão com seu autocontrole comprometido, ou que mesmo lançando mão de estratégias de enfrentamento ainda sentem-se vulneráveis. Sentir-se frágil em momentos de crise e buscar ajuda é a estratégia de enfrentamento mais eficaz que você pode lançar mão. Falar sobre suas angústias e refletir sobre elas é fundamental.

Referências:

DUROZOI,G.; ROUSSEL, A. Dicionário de filosofia, 3 ed. Campinas: Papirus, 1993. Tradução de Marina Appenzeller.

SKINNER, B. F. O mito da liberdade, 3 ed, São Paulo: Summus, 1983. Tradução de Elisane Reis Barbosa Rebelo.

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